segunda-feira, 16 de março de 2009

Crise em Cabinda

CRISE EM CABINDA
Março 11, 2009

Por E. Bene


Hoje em dia 90% dos conflitos são intra-estados, devido à não aplicação dos princípios do direito internacional público, de não violência, Direitos Humanos, auto-determinação e democracia. A “crise de Cabinda” resulta da violência perpetrada pelo exército angolano desde 1974 contra uma população e um território que tem uma tradição de autonomia.
Cabinda integra desde Abril de 1997 a UNPO – “Unrepresented Nations and Peoples Organization”, organização democrática e internacional cujos membros são nações ocupadas, minorias e estados ou territórios que se juntaram em busca de soluções não-violentas para os conflitos que os assolam.
Será que Cabinda conseguirá alcançar o seu sonho de pôr fim à guerra e obter a sua independência?

Cabinda é um pequeno território descontínuo de Angola, resultante da fusão desde o Séc. XV de três reinos: Loango, Kakongo e N´goyo, no Norte do rio Congo, e no Sul do rio Congo por Ndongo. Com 7.283 Km2, tem uma população estimada em 300.000 habitantes, dos quais cerca de 1/3 vive refugiada no Congo e no Zaire. Adjacente à costa encontram-se alguns dos maiores campos de petróleo do mundo cuja exploração se iniciou em 1954.
Através do Tratado de Simulambuco em 1885 entre os reis de Portugal e os príncipes Cabindas, decretou-se o protectorado português, reservando direitos aos chefes locais de exercer os seus costumes sob auspícios de Portugal mas independentes de Angola.
Este tratado foi aceite pela conferência de Berlim. Em 1975, o tratado de Alvor consagrou a integração de Cabinda em Angola, embora a administração já dependesse de Luanda desde 1956. O facto é que os Acordos de Alvor foram rejeitados por todos partidos angolanos, pondo em causa qualquer validade jurídica que lhes quisessem atribuir.
Actualmente Cabinda produz 700.000 barris de crude por dia. A companhia de petróleo do golfo de Cabinda está associada à Sonangol, Agip Angola Lda. A Sonangol detém (41%), a Chevron (39,2%) Elf (10%) e a Agip (9,8%).
A associação da companhia de petróleo de Cabinda à Sonangol mostra que Luanda não pretende abrir mão do controlo dos recursos de Cabinda.
Os três movimentos de libertação: FNLA, MPLA e a UNITA, dizem que Cabinda é parte integrante e inalienável de Angola.

Em 1960, são formados dois grupos separatistas, com aspirações de independência: (1)o Movimento para Libertação do Enclave de Cabinda – MLEC, liderado por Ranque Franque; e (2) Aliança de Mayombe. Em 1963 juntam forças na Frente de Libertação do Enclave de Cabinda – FLEC, sob liderança de Franque.
Ainda em 1963 a OUA posiciona Cabinda como o 39º Estado a descolonizar, sendo o 35º Angola.

Em 1975 a guerra da independência acaba, a maioria dos portugueses que estavam em Angola retornam a Portugal e o MPLA declara todos os outros partidos políticos locais ilegais. Ainda no mesmo ano o MPLA mostrou-se receptivo em negociar com os separatistas em Cabinda.
As exigências da FLEC foram:

(1) dissociação de Cabinda de Angola;
(2) reconhecimento da FLEC como o único movimento de libertação;
(3) e o reconhecimento formal do povo de Cabinda no que respeita à autodeterminação.

As negociações fracassaram. A FLEC protesta às Nações Unidas sobre a alegada morte de 100 estudantes e residentes da zona por parte do MPLA e mercenários.O Zaire propôs uma consulta popular sobre o enclave. Países como Gabão, Uganda e República Centro Africana favoreciam a FLEC, mas a maioria dos membros da OUA opôs-se alegando o espectro dos separatismos noutras regiões de África.
A FLEC desintegra-se em 1977 e o Comando Militar de Libertação de Cabinda – CMLB - exige uma refundação democrática. Daí resulta entre 1980-85 a divisão da FLEC em: FLEC-Renovada, sob direcção de António Bembe e FLEC- FAC (Forças Armadas de Cabinda).Os três movimentos de Libertação de Angola - FNLA, o MPLA UNITA - declaram Cabinda como “parte integral e inalienável de Angola”.
É importante notar que Cabinda reúne os requisitos para que a sua autonomização e o direito de não ingerência sejam uma realidade:

(1) localização geográfica com descontinuidade territorial;
(2) nível de recursos naturais;
(3) identidade própria, acompanhada por um nível educacional da sua população considerável e distinto de Luanda.

O grande impasse é sem dúvida Luanda – que não tem vontade política .
A antiga OUA – (actual UA, União Africana) nunca conseguiu apaziguar ou pôr termo aos conflitos emergentes em África. Mesmo após a Declaração de Cairo de Junho de 1993, que estabelecia formalmente o Mecanismo Central para a Prevenção, Gestão e Resolução de Conflitos, nada fez para solucionar a crise, dado a falta de meios e de coesão. Algumas medidas têm sido tomadas pelo conselho de Paz e Segurança (CPS) da UA, para obrigar aos líderes africanos a reconhecerem a importância da boa governação, democracia, respeito pelos direitos humanos e do princípio da subsidariedade.

Em Portugal a maioria da opinião dos políticos é a favor de uma intervenção portuguesa na resolução desta crise. Os media indicam que, após a descolonizarão, Cabinda deveria ter sido independente de Angola.
Silva Cunha, Ministro dos Negócios Estrangeiros português em Angola (1965/73), advoga que o ideal teria sido formar-se um único governo sob tutela colonial.
Themudo Barata, último governador de Cabinda em 1974, disse em entrevista à SIC em 2002 que teria sido fácil se Portugal tivesse resolvido a questão. Comparou a situação de Cabinda com o caso de Timor Leste que foi vítima de uma descolonização desastrada e que vinte e cinco anos depois os timorenses rejeitam a situação em que vivem perante a indiferença geral de outros países. Acrescentou ainda que cabia a Portugal assumir o seu erro na descolonização diante da OUA e da ONU. D. Duarte de Bragança, que conheceu Cabinda nos anos 70, altura em que participou nas comemorações do Tratado de Simulambuco, disse em entrevista ao Ibinda.com em Novembro de 2004, que desde 1969 que luta para que a justiça seja feita aos cabindas. Apesar do conformismo de algumas pessoas na luta pela sua causa, D. Duarte tem-se mostrado optimista, tomando como exemplo Timor- Leste, que parecia inicialmente um caso perdido. Mário Soares recebeu em 2003 no Parlamento europeu uma delegação da FLEC, e mostrou-se receptivo, afirmando que a questão deve passar por uma consulta a nível internacional, que envolva Portugal, França e os EUA, e que a hipótese de autonomia de Cabinda tinha que estar dentro do quadro de Angola.

Para o Padre Carlos Gime, o que está acontecer é “o desenvolvimento do subdesenvolvimento (…)”

Os media portugueses têm reportado as atrocidades ocorridas em Cabinda, a que os media internacionais não prestam atenção. Os bispos locais, que só emergiram à partir de 1973 devido a forte implantação de vigários episcopais, dependentes dos arcebispos de Luanda, apelam à independência, ao fim dos actos de violação de Direitos Humanos; à presença de tropas em Cabinda, “uma terra sem paz”. O facto de 12% do petróleo consumido nos EUA ser de Cabinda faz com que as instalações de exploração deste recurso, se tornem em pequenos estados dentro de um estado.
Em 2004 na sequência da semana dos direitos humanos em Cabinda, a Associação Cívica e Cabinda, desafiou a petrolífera norte-americana ChevronTexaco, a romper o seu isolamento e cooperar na busca de soluções para o flagelo que assola o país. Para Joaquim Rodrigues, “ o sonho americano de liberdade, igualdade, e oportunidade de justiça, não tem sido operado na região (…)”.
A Chevron, por exemplo, matem-se silenciosa perante os massacres perpetrados pelo regime parceiro. A companhia pratica injustiças sociais e desigualdades salariais.
O Padre Carlos Gime falou de Cabinda como podendo ser “um pequeno Éden” mas lamentou que os recursos estejam a ser pilhados a 100%; disse ainda que o remanescente, 10% das taxas de exploração, sucumbia sem alguma aplicação local. Está a acontecer “o desenvolvimento do subdesenvolvimento”.
Segundo o Ibinda.com, estão em curso outros projectos da Rússia, África do Sul e Japão para prospecção e exploração de ouro na região. Não se fala na melhoria de condições de vida dos cabindenses nem o governo angolano direcciona os dividendos para o desenvolvimento de Cabinda nem de Angola em geral.
Uma comissão ad-hoc das Nações Unidas para os direitos humanos em Cabinda, reportou em 2003, casos de violência, abusos sexuais e outras atrocidades perpetradas pelo MPLA. O Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annam, pronunciou-se na 61.ª sessão da Comissão das NU para os Direitos Humanos em Genebra 2005, sobre a necessidade de criação de um novo corpo de gestão de Direitos Humanos. Annan frisou ainda que a Declaração Universal dos Direitos Humanos deve fazer parte de um convénio global.
Em 2004, segundo Peter Takirambudde, director executivo da HRW, Human Right Watch, missão para África, o exército angolano continuava a cometer crimes contra civis em Cabinda. Takirambudde apela ainda ao governo angolano para pôr termo à impunidade, e levar os culpados à justiça.
Em Agosto de 2004 a HRW, entrevistou civis detidos e torturados pelo exército angolano, vítimas de violações, e mulheres detidas por alegado envolvimento conjugal com os chamados rebeldes da FLEC (…).
Em Setembro de 2004 houve um wokshop subordinado ao tema “Intervenção acerca de Cabinda” promovido pela Associação Tratado de Simulambuco (ATS) - Casa de Cabinda de Portugal, em que se debateu entre outros assuntos a questão dos Direitos Humanos.

José Eduardo dos Santos, durante a sua visita presidencial a Washington em Março de 2005 negou existir algum conflito armado em Cabinda. Interrogado sobre a possibilidade de referendo, disse que a Constituição de Angola não previa essa prática e que “o espírito de diálogo e abertura tem imperado em ambas as partes”. Assegurou haver um clima de calma e que os cabindas queriam a reconstrução nacional e a sua integração em Angola.
A crise de Cabinda carece de um diálogo e atenção global, apesar de o governo angolano não ver nenhum parceiro válido para questão, até porque nem sequer assume a existência do conflito. O facto é que o governo Angolano ilegalizou a FLEC e as populações não podem exercer nem os seus direitos cívicos nem os políticos e os de livre expressão.
Tem havido algumas mudanças significativas como a recente fusão da FLEC/FAC e da FLEC Renovada e a criação do Fórum para o Diálogo. A presença das multinacionais em Cabinda, é vista com preocupação pelos defensores da democracia e direitos humanos, devido a cumplicidade da aliança geo-estratégica e económica com o regime de Luanda.

Cabe a Portugal um papel de mediador principal no processo de autonomização de Cabinda, tendo em conta o fracasso do tratado de Direito Internacional - Simulambuco, que previa autonomia de Cabinda. Sendo assim os Tratados de Alvor, que integraram Cabinda em Angola, não têm razão de ser. Não nos devemos esquecer também que a Carta das Nações Unidas e o Direito Internacional não negam a nenhum povo o seu direito à auto determinação.Cabinda tem descontinuidade territorial e identidade cultural própria - princípio inalienável, que é de extrema importância para sua auto-determinação.

É necessário apelar à uma vontade geral, com particular destaque a Luanda, Portugal e ao resto da comunidade internacional para que este território obtenha a sua independência e autonomia.

E.Bene, Estagiário no Depto. Investigação e Defesa - IDN

.

Sem comentários: