quinta-feira, 25 de setembro de 2008

‘Mon ami’ Sócrates…


‘Mon ami’ Sócrates…


(artigo da revista Visão por : Sónia Sapage)


Basta abrir o segundo volume da Autobiografia Política, de Cavaco Silva, na página 403, para se ficar a saber como é que o actual Presidente da República
(PR) vê as funções do Chefe de Estado. «(...) Os partidos têm tendência para olhar com desconfiança para algumas atitudes do PR e interpretá-las como obstrução à sua actividade, podendo surgir desencontros ou momentos de tensão entre os dois órgãos de soberania.» Parece escrita no final da semana passada, mas esta reflexão tem mais de 15 anos. Na altura, Cavaco ocupava o lugar que hoje é de Sócrates e Mário Soares estava na Presidência. «É provável que a conflitualidade se acentue quando, de um lado, está um Governo com pressa para fazer (...) e, de outro, um Presidente oriundo do principal partido da oposição, com gosto pelo jogo político e apetência pelo protagonismo», acrescentava, sobre si próprio e sobre Soares, há 15 anos. Mas a frase também pode ter uma leitura actual...
Já em 1991, Cavaco usava a expressão «cooperação institucional», agora em voga, para deixar claro que se trata de «uma estrada de duas vias», que «implica reciprocidade e respeito pelas competências de cada um». Esta é a chave para compreender toda a crise que se instalou em torno da questão do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, de acordo com a fonte próxima de Cavaco que aconselhou a VISÃO a reler o livro do Presidente, para melhor compreender as relações entre Belém e S. Bento. «Ele não cede nas questões de princípio», assume a mesma fonte. «Isso significa que alimentará sempre uma certa solidariedade institucional com o Governo, sem exercer o seu cargo de olhos fechados.» Ou não entendesse Cavaco, já em 1991, que «um Governo com apoio maioritário e homogéneo no Parlamento requer um PR mais atento, para evitar tentações de abuso do poder».
Mais do que as Leis do Divórcio, da Paridade, da Responsabilidade Extracontratual do Estado, a Orgânica da GNR ou o Estatuto dos Jornalistas, que deram origem a vetos presidenciais, o Estatuto dos Açores pode ser uma espinha difícil de engolir. É provavelmente a única lei, até ao momento, que fere aquilo que Cavaco mais protege: o equilíbrio dos poderes e o funcionamento das instituições da República.
«Entendo que é perigoso para o princípio fundamental da separação e interdependência de poderes aceitar o precedente de, por lei ordinária, se vir a impor obrigações e limites às competências dos órgãos de soberania que não sejam expressamente autorizados pela Constituição da República», alertou o Presidente, na comunicação ao País de 31 de Julho, tal como já havia alertado o chefe do Governo e outros dirigentes partidários, em conversas reservadas.
E para quem não percebeu as deixas, Cavaco explicou mais tarde, numa entrevista ao jornal Público: «Para mim, a palavra-chave da comunicação é precedente. Penso que nunca, na nossa democracia, se procurou, por lei ordinária, limitar as competências do Presidente, pelo que não exerceria bem o meu mandato se ficasse calado.» E acrescentou: «Posso vetar politicamente o Estatuto dos Açores depois de corrigido das inconstitucionalidades.»
QUERELA POLÍTICO-INSTITUCIONAL
Esta terceira advertência sob a forma de entrevista – nada habitual em Cavaco – levou o constitucionalista Vital Moreira a lançar um alerta, no seu blogue: «Quem quiser ignorar mais este aviso, insistindo nas normas em causa (mesmo que mudando a redacção sem mudar a substância), fá-lo por sua própria conta e risco político. Não percebo por que é que o PS arrisca uma séria querela político-institucional com Belém por causa do caprichismo radical dos partidos açorianos.»
O problema é que, em Belém, o facto de o Governo não ter feito alterações ao Estatuto dos Açores no seu devido tempo, foi visto não como uma cedência ao «caprichismo radical dos partidos açorianos», mas sim como uma fraqueza eleitoralista (aliás extensível aos restantes partidos, que aprovaram o Estatuto, por unanimidade, na
Assembleia Legislativa Regional dos Açores e, depois, na Assembleia da República).
Questionado pelo director do Público, José Manuel Fernandes, sobre se tudo não terá acontecido porque há eleições regionais em Outubro, nos Açores, Cavaco Silva respondeu: «Tenho dificuldade em perceber por que é que as minhas reservas não foram acolhidas face às conversas que ocorreram. (...) Não quero especular, mas não me admiraria que a proximidade das eleições possa ter tido alguma influência.»
Ainda assim, o Presidente recusa-se a reforçar as polémicas sobre uma eventual crise futura no eixo Belém/S. Bento. «Este é um assunto muito específico e com uma importância particular, único no seu alcance político-institucional», sublinhou Cavaco.
Na sequência deste reparo, e para evitar especulações sobre o real estado da cooperação institucional, o Governo apressou-se a estancar todos os focos de tensão. «[As mudanças no Estatuto dos Açores] Além de retirarem as inconstitucionalidades que foram detectadas pelo Tribunal Constitucional, irão no sentido de responder às preocupações que o senhor Presidente da República entendeu pôr em público», anunciou o porta-voz do PS, Vitalino Canas. Medeiros Ferreira garante que «há uma negociação em curso», favorecida, paradoxalmente, pelo veto à Lei do Divórcio
O estatuto da discórdia será de novo debatido, na Assembleia da República, a 25 de Setembro. Até lá, espera-se que a tensão seja aliviada, até porque a postura socialista perante outros temas que aquecem as relações entre a Presidência e o Governo, foi idêntica. «No que respeita às relações entre o Governo e o PR, o pior que podíamos fazer era somar uma especulação a outra. Pelo contrário, as relações continuam a ser excelentes, de cooperação institucional», garante Pedro Silva Pereira.
No seu programa semanal da RTP, António Vitorino afirmou, sem rodeios, que «o Presidente tem razão».
«Notícias que foram publicadas, alegando que eu tinha criticado o veto presidencial por ser responsável pelo atraso na publicação da Lei Orgânica e sua regulamentação, são completamente falsas e fantasiosas», reagiu Rui Pereira. Fantasiosas, mas não o suficiente para evitar mais uma pequena crise na coabitação que, segundo os intervenientes, continua imaculada.
Pedro Adão e Silva, ex-membro do Secretariado do PS é que parece não acreditar nessa teoria. «Enquanto o PSD teve líderes em dissonância com Cavaco Silva, o PR assentou o essencial da sua acção na cooperação estratégica com o Governo. Uma vez resolvida a questão interna do maior partido da oposição, a sensação que fica é que o que antes era estratégico acabou por se revelar apenas táctico.» Será?
Estranho estas divergências...! Pois isto numa Monarquia teria outra estabilidade, basta olharmos para o caso de Espanha, quem tem problemas muito mais complicados do que nós (caso da ETA, por exemplo!!!), estava bem pior do que nós, uns anos atrás, e agora está bem melhor! Olhemos para o nível de vida dos Espanhóis...
Um presidente, sem dúvida alguma, não consegue ser o presidente de todos os Portugueses, nem criar uma estabilidade, de uma forma Paternal, com consensualidade olhando pelo bem comum.
è sempre visto como o presidente de "alguns" e não como o Pai da Pátria, supra partidário!